quinta-feira, 26 de julho de 2018

CORTA GOELA


O êxodo rural mudou por completo o cenário agrícola do Município de Sertanópolis e de todo o Norte Paranaense. Os novos proprietários das terras, oriundos de lugares diferentes, transformaram os costumes do campo. Ignoraram uma rica tradição cultural alicerçada numa prosa animada, dos bravos pioneiros, que cultivaram a fértil terra roxa no cabo das enxadas... Muitos deles não fixaram residência nas propriedades que compraram. Eram apenas ambiciosos e fanáticos exploradores das terras. Erradicaram os cafezais. Acabaram com os pomares. Demoliram as casas dos colonos. Substituíram as enxadas pelos tratores... Mudaram a paisagem com imensas lavouras de soja, milho e trigo, ou então, em terrenos não mecanizados surgiram pastagens para o gado. Os bons tempos dos cafezais ficaram apenas na memória dos heroicos desbravadores do sertão, agora espalhados pelos quatro cantos do Brasil. Um dos novos moradores, cujo nome verdadeiro muito pouco foi pronunciado naquelas paragens do Cerne. De onde veio nunca se teve notícia. Sabe-se apenas que era um homem de pequena estatura, barbudo, cabeludo... Diziam até que era a figura encarnada do Demo... Cruz, credo! ... Deus que me livre! ... Como se não bastasse as credenciais já anunciadas, vivia no mesmo teto com três mulheres, que aparentavam respeito e carinho duvidoso... Talvez fosse pelo medo, ou quem sabe por serem elas da mesma laia do mandrião forasteiro. Por ironia, o tal barbudo veio morar na antiga propriedade de um já falecido pioneiro. Um português um tanto folclórico que por pouco não manchou o nome do lugar, batizando o ribeirão do Cerne de “Lava (…)”. Bem, melhor não pronunciar o resto. Deixa pra lá! ... O fato se deu por ter encontrado num passeio de reconhecimento das terras que por sinal acabou comprando, um homem nu a se banhar nas águas cristalinas do ribeirão. “Lava (…),” assim, então, passou a ser denominado o ribeirão e as adjacências por certo tempo, até que caiu no esquecimento e nome impróprio deixou de ser pronunciado. Mesmo local que antes foi maculado por um palavrão, tornou-se o aconchego preferido do quadrilátero amoroso. Era comum vê-los nus se banhando e trocando carícias despudoradas nas águas já poluídas do ribeirão. Misteriosamente, da noite para o dia, como se fosse um cemitério clandestino, covas de defunto foram encontradas abertas no local... Algumas já aterradas. Tal fato levou a já reduzida população a um clima de terror... A polícia da cidade de Sertanópolis foi avisada e após minuciosa investigação, nenhum defunto foi encontrado. As suspeitas, mesmo sem ter provas concretas, caiam sobre o tal Barbudo. O valentão, como já foi dito, tinha mesmo parte com forças malignas, frequentava assiduamente um venda de beira de estrada... O único ponto de encontro dos moradores da região. Ao entardecer chegava ao recinto, sempre acompanhados pelas três mulheres. Ao adentrar na venda, os já minguados fregueses curvaram-se diante do forasteiro... Lá vinha a famosa rodada de cachaça, alguém era intimada à força a pagar pela conta. O temido homem tinha por hábito andar armado com um punhal e um revólver na cintura... Cantava, dançava e humilhava os presentes com insultos desafiadores, agressivos, humilhantes... Era comum, em meio à algazarra, sacar o revólver e determinar as esposas que abaixassem as peças íntimas e urinarem em meio ao salão... Ai daquele que se atrevesse a dar uma espiada de rabo de olho nas nádegas das mulheres de cócoras e de saias levantadas até a cintura! ... O vendeiro, feito uma vara verde, tremia sem parar, do outro lado do balcão. Numa tarde de domingo, como era de costume, o barbudo chegou à venda, na companhia das esposas. Ao chegar foi logo fazendo arruaça costumeira. Desta feita, ainda mais provocante, estava mesmo tomado por inteiro pelas forças do mal. Nisto entrou em cena o Fraquito, que não fazia jus ao nome, pois nada tinha de fraco, era ele pela sua coragem e valentia, o Inspetor de Quarteirão do Bairro... A sua presença foi o mesmo que jogar álcool na fogueira. A coisa ficou preta num segundo, tanto o homem representante da justiça como o valentão empunharam os revólveres ao mesmo tempo... Foi um pipocar de tiros para tudo quanto era lado, uma correria danada. Um salve-se quem puder! Inacreditável! ... Nenhuma bala atingiu o tal barbudo! ... Diziam que tinha o corpo fechado. Fraquito levou a pior, foi alvejado por vários disparos, um deles atingiu o coração. O Tônico, vendo o pai que agonizava diante do sarcástico assassino, que Ironicamente ainda lambia os dedos da mão direita todo vermelho, com sangue do pai... Como se tudo isso ainda não bastasse ainda dava sonoras gargalhadas, Diante de tamanha humilhação, tendo como agravante o pai já sem vida, bem ali ao seu lado, perdeu totalmente o controle de si. Não era homem nem para matar uma mosca, assim diziam todos que o conhecia... Incorporou-se de uma força sobrenatural. Nem sabe como, de onde lhe veio tamanha valentia e destreza... Deu uma cadeirada na cabeça do barbudo enquanto se distraia zombando do cadáver estendido no chão... Atordoado tombou sobre o assoalho da venda e com extrema agilidade montou em sem corpo, arrancou uma faca da cinta e cortou numa só golpeada, a goela do valentão. Ficaram os dois corpos estendidos no interior da venda... Um cachorro vira-lata pôs-se a lamber o sangue dos cadáveres... Logo a polícia chegou ao local e tomou as providências cabíveis em tais circunstâncias. Corta Goela, Corta Goela! ... Aquele lugar não tinha esse nome não! ... Por incrível que pareça, até nos dias de hoje é normal quando alguém fala do acontecido chamar o local pelo nome de Corta Goela.

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