quarta-feira, 25 de julho de 2018

A LENDA DA FIGUEIRA MAL ASSOMBRADA


 Em plena quaresma, encontravam-se alguns lavradores reunidos num ranchinho de sapé, durante o descanso sagrado, na hora do almoço. Naquele dia o grupo demonstrava-se apático, até que um matuto puxou uma conversa desafiadora, bem ao seu feitio. _ Uai, gente. Até parece que nem perceberam que eu dei uma saída de alguns minutos... Então, sabe? Fui desapertar os intestinos atrás de um pé de café. Naquela luta danada, enquanto o barro não saia, comecei a olhar na direção da estrada e não é que dava para ver direitinho a tal da figueira mal-assombrada, toda imponente e majestosa. Pensei com os meus botões enquanto limpava o rego com um punhado de folha de café: será que são mesmo verdadeiras as histórias que o povo conta? ... _ Se são verdadeiras eu não sei, _ Respondeu o patrão. _ Falam por ai, cada causo de arrepiar os cabelos. Essa figueira reina a beira da estrada desde os tempos do sertão escapou ilesa dos golpes dos machados e das chamas devastadoras das queimadas. É sem dúvida, uma relíquia, uma prova autêntica do quanto era pujante a floresta primitiva e que pelas mãos dos pioneiros fora devastadas... Talvez, quem sabe, por vingança da natureza, o local passou a ter fama de mal assombrado. Durante o dia, _ continuou patrão _ ali tudo é belo, os pássaros cantam divinamente, sobre a vasta ramagem. Os estradeiros descansam no aconchego de suas sombras refrescantes... Mas, quando a negridão da noite acoberta o horizonte e as estrelas salpicam o céu... Quando as corujas e os morcegos tomam posse da árvore e ao redor... Aí então, o local que durante o dia forma um belo cartão postal, torna-se tenebroso e desafiador aos homens de coragem. Certa ocasião, um casal bastante jovem, por motivo de doença do primeiro filho, ainda de colo, saiu depois da meia noite a pé com a criança queimando de febre nos braços em busca de socorro na cidade... Quando passaram por debaixo da figueira... Primeiro ouviram um barulho estranho no ar, era uma mistura de choro com gargalhadas esquizofrênicas... O sinistro barulho se repetiu por várias vezes, cada vez mais próximo e mais arrepiante... De repente, sobre suas cabeças de cabelos eriçados, a poucos metros de altura viram dois vultos flutuando como se fossem dois lençóis voando serenamente, até desaparecer na escuridão da noite atrás da figueira. Em seguida tudo ficou em silêncio, nem mesmo as água agitadas do riacho murmuravam entre as pedras. O casal com a criança enferma no colo, extremamente amedrontados, um agarrado no outro, seguiram em frente, mas confessam que nas trevas da noite nunca mais passaram por aquele local. Em outra ocasião, durante também no período da quaresma, um jovem bastante corajoso, já noivo, preste a se casar foi até a casa da amada numa noite de sexta-feira. Filho de sitiante, como era de costume foi dirigindo a caminhonete do pai, que lhe dava status de mocinho rico. Ao lado da noiva dividindo a sala com a sogra e cunhadas, lá permaneceu até quase meia noite. Ao despedir-se, querendo provar a sua coragem, depois de beijar a mão da noiva falou com ironia: _ Hoje eu quero ver se a tal da figueira é mesmo mal assombrada! ... Foi duramente repreendido pelos familiares da amada, de que com forças sobrenaturais não se deve brincar. _ Que nada! Só tenho medo de gente viva. _ respondeu todo zombeteiro e folgazão. Montou na camioneta, colocou-a em movimento, ligou os faróis disse adeus à noiva e saiu em velocidade levantando uma nuvem de poeira. Ao se aproximar da figueira, pela primeira vez na vida sentiu um forte calafrio que subiu dos pés ao alto da cabeça... Diante daquela sensação esquisita, fechou bem os vidros das portas do veículo e pisou fundo no acelerador... Não sabe como, enquanto dirigia levou uma tremenda surra de pau dentro da cabine toda trancada... Por pouco não foi vítima de um grave acidente. O mais estranho é que ele não viu nada enquanto apanhava. Aprendeu a lição, nunca mais desafiou as forças do além. Conta-se também, um outro causo ainda mais sinistro acontecido com um sitiante da redondeza que tinha por mania, contra o gosto dos familiares, de pelos menos uma vez por semana ir jogar baralho na cidade, principalmente nas noites de sextas-feiras. Também duvidava de que a tal figueira fosse mal assombrada e numa dessas noites de jogatina, retornou ao sítio lá pelas tantas da madrugada. Ao se aproximar da figueira, por onde já havia passado milhares de vezes, a luz do sol, ou na escuridão da noite, a pé, a cavalo, ou dirigindo a sua camioneta, nunca antes havia notado nada de estranho... Mas naquela noite a coisa ficou feia pro seu lado... Bem ao lado da figueira deu de cara com uma enorme procissão de vultos brancos sem cabeça, cada um carregando uma tocha de fogo nas mãos... A princípio achou que eram seres humanos com as cabeças cobertas por toalhas, enganou-se profundamente... Tentou frear a camioneta, o efeito foi ao contrário, em vez de frear, acelerou ainda mais, indo desgovernado em alta velocidade ao encontro dos supostos homens... O mais estranho é que o veículo foi invadindo a procissão adentro sem que nenhum corpo fosse atropelado, todos flutuavam sobre a camioneta... Quanto mais o veículo corria, mais a procissão aumentava... Não se ouvia gritos e nem ruídos... Tudo imaterial, apenas visível. Jogar baralho na cidade à noite, nunca mais. Com o passar dos anos já sem os cafezais em volta e sem seus contadores de causos, com o alargamento da estrada a figueira tombou por terra... Mas, o lugar ainda não perdeu a fama de mal assombrado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário