quarta-feira, 25 de julho de 2018

A LENDA DO CAIXÃO DE DEFUNTO

Há muitos anos atrás, quando por estas bandas, começaram a surgir os primeiros veículos motorizados, _ diziam um matuto ao seu compadre português, num tom de ironia, _ os caixões de defuntos começaram a ser fabricados nos fundos de quintais por exímios carpinteiros. Eram feitos de madeira rústica, revestidos de tecido. De acordo com o falecido a cor variava entre o preto, rosa, azul e o branco. O defunto era velado deitado sobre uma mesa no centro da sala, ladeado de flores e de velas acesas, com a boca e as narinas entupidas de algodão... Pode-se dizer que era uma cena um tanto desaconselhável para crianças. Ao findar de uma tarde de verão, de morte súbita, o vilarejo inteiro ficou abalado com a perda de um valoroso pioneiro. Foi então o caixão encomendado a um carpinteiro, morador na zona rural. Foi velado naquela noite dentro dos conformes da época: regado de muita cachaça, café e pão. No amanhecer do dia, antes do sol raiar, dois portugueses, amigos do falecido ficaram encarregados de buscar o caixão, numa camioneta, cedido por um comerciante, compadre do morto. Fermino era o motorista e Anastácio, o ajudante. Ao adentrar no veículo, quem diz de fazer o motor pegar na chave?... Teve então, o Anastácio fazer o motor dar sinal de vida pelo esforço de seus braços cabeludos e musculosos, pelo uso da manivela. O motor da chambeca pôs-se a dar seguidos estouros como se fosse uma bateria de bombas, meio que engasgado, até atingir o ronco natural... Ai então, Anastácio, suando em bica, entrou na cabine do veículo e seguiram viagem. _ Catanos!... Acho que bai chubere. Não sei não, se bai dare pra buscare o ralho do caixão do nosso falecido patrício. Falou Fermino, firme no volante, parecendo uma estátua. _ Pois, pois... Bota-te a correrer com esta geringonça estropiada, com um pé lá e outro cá, num piscar de olho estamos de volta. _ Respondeu Anastácio. Os dois portugueses iam pela estrada afora, a chambeca resfolegava soltando fumaça... Passado uma boa meia hora, chegaram ao local. Carregaram o caixão em cima da carroceria com o auxílio do carpinteiro e deram inicio ao percurso de volta a cidade... Logo nos primeiros quilômetros, numa baixada, ofereceram carona a um japonês, que ia pela estrada afora, no mesmo sentido. O motorista estacionou o veículo e ofereceu lhe uma carona. _ I, garantido non!... Tem defunto no caixon!... _ Não, japonês. O baita ainda está vazio. Falou Fermino. _ Se chubere podes até entrares nele, para não te molhares, _ Insistiu Anastácio. Diante da insistência o japonês acabou aceitando a carona. E não é que começou a chover e o japonês mais do que depressa se ajeitou dentro do caixão. Passado mais alguns quilômetros... Nisto, eis que surge a beira da estrada, um casal acompanhado de uma filha de aproximadamente quatro anos de idade. O homem carregava um cacho de bananas ainda verde às costas. A mulher, um cesto com verduras na mão direita e a menina, com cara de manhosa carregava pendurado no peito, amarrado numa tira vermelha, uma chupeta bastante surrada, já com alguns furos. Fermino estacionou novamente o veículo e ofereceu-lhes gentilmente a carona que viria em boa hora para os estradeiros, não fosse a aparente visão sinistra que se podia notar sobre a carroceria da camionete: _ Não vou não, paiê!... Não vou não, maiê!... Tem um defunto nesse caixão! ... Tô com medo! ... _ Ó ralho de moleca cagona! ... Anda que tem ai nesse caixão um japonês certamente a dormire e que não faz mal a ninguém! ... _ Falou o motorista. Com muito custo acabaram cedendo ao convite, mesmo porque, a chuva dava sinais de que ia aumentar. Aos solavancos, pela estrada esburacada, já começando a ficar lamacenta, a moleca ia atarracada aos pais, tremendo dos pés à cabeça com os olhos esbugalhados e com a chupeta atolada na boca, soluçando sem parar. A esposa e o marido, durante o percurso não trocaram uma só palavra e a chuva fina e teimosa não dava trégua. Ao chegarem à entrada da cidade: _ Ó, Firmino. Acho bom parares a geringonça para os nossos amigos descerem _ Pois, pois! ... Já estava a pensare nisso e que já vou à fazere. Assim que o veículo parou, com a freada brusca, o japonês acordou e levantou todo assustado a tampa do caixão: _ I, garantido parô de chove, non!... Foi um Deus nos acuda em cima da carroceria da camioneta, uma gritaria danada, pularam todos ao mesmo tempo, largaram para trás o cacho de bananas e a cesta com as verduras e pernas para que te queira, desapareceram num segundo. O japonês, sem entender nada, sentado ainda dentro do caixão ficou olhando para a cara dos dois portugueses que riam sem parar da desgraça, não premeditada... Assim que o japonês desceu da camionete: _ Ai Jesuse!... Vamos logo com o caixão que o nosso amigo defunto já deve ter morrido outra vez de tanto esperar. _ Falou Firmino, já com a camioneta em movimento.

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