quarta-feira, 25 de julho de 2018

OS FANTASMAS DO RIBEIRÃO


 Conta-se que o fato aconteceu com um garoto, filho de uma família renomada de pioneiros da Água do Cerne. Escreve ele através de memórias literárias, publicada em livro, de sua autoria, já em fase adulta que aos doze anos de idade, traumatizado com a morte do pai e de duas irmãs, ocorridos num curto espaço de tempo. Numa tarde de verão foi até o Ribeirão pescar, seu lazer predileto. Com cuidado desceu o barranco, havia ali um velho tronco de árvore encalhado desde a última enchente, estendia-se no sentido água abaixo, com a parte mais grossa ancorada no barranco, como se fosse uma plataforma. Bem acomodado no tronco da árvore o garoto iniciou a pescaria, como fazia uma ou duas vezes por semana. Isca o anzol, estendeu o caniço ao longo do tronco, deixou-o preso em um dos galhos secos, com a ponta da vara pendendo uns três palmos adiante do fim do tronco, suspensa sobre as águas do rio, sempre na mesma direção, com a mesma quantidade de linha. Era infalível, quase que de imediato começavam os puxões e o pequeno pescador ia colocando peixes e mais peixes sobre o picuá que deixava pendurado num outro galho seco ao alcance das mãos. De repente tudo aconteceu. O garoto sentiu uma sensação de que não estava sozinho, de que alguém se aproxima dele e o espreitava a uma curta distância. Um forte calafrio tomou conta de seu corpo... Um receio pavoroso... Um medo indefinido o impediu de olhar ao redor na tentativa de desvendar o mistério. No outro lado do rio, uma forte lufada de vento agitou estranhamente as moitas de capim colonião, isso ele pode ver, pois estava com olhar fixo na direção. Entretanto, até então, a tarde era mormacenta, sem nenhuma aragem. No mesmo instante, em verdadeira superposição de fatos, parece que vinda da margem oposta, ouviu a mais estranha e irreal das vozes: choro ou canto? Grito ou gemido? Lamento ou acalanto? Seu coração se descompassou. Sentiu as pernas pesadas e imóveis sobre o tronco da árvore, com o olhar embaçado, um zumbido nos ouvidos e a sensação de que algo muito estranho se aproximava dele para um contato incrivelmente doloroso, talvez mortal... Uma brisa fria passou pelo seu rosto como se fosse uma estranha carícia... Sentiu tremor no corpo e ficou com os cabelos ainda mais arrepiados. Não sabe por quanto tempo ali permaneceu... Num esforço supremo conseguiu levantar-se... Subiu o barranco do ribeirão... Atravessou a cerca de arame e saiu correndo na direção da casa e ainda ouvia vozes desesperadas e distantes. Quando chegou a certa distância do ribeirão é que sentiu o alívio de não ter ninguém o seguindo... Embaixo de uma árvore do pasto, jogou-se no chão exausto. Transpirava exageradamente e arquejava em gemidos profundos... Uma forte náusea evolveu-lhe o estômago... Vomitou não sabe quantas vezes. Mais tarde na companhia do irmão, já adulto, desceram até o ribeirão a procura de um bezerro... No local onde pescava o silêncio só não era absoluto devido o barulho das águas batendo nas pedras. No caniço que tinha deixado para trás havia um belo mandi fisgado no anzol, o maior até então pescado, naquele dia sinistro.

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