Logo nos primeiros anos, quando o café principiava a fazer a riqueza de muita gente. Em que a jardineira do tio Felizardo andava lotada, morro abaixo, morro acima. Em que os porcos, as galinhas e as mercadorias disputavam o acanhado espaço do veículo com os passageiros... Pois é, nesse tempo das vacas já quase gordas, um sitiante resolveu estudar o filho na cidade. O moleque foi desses que deu certo na vida. Alguns anos depois, virou gente importante na região onde sempre morou. Mas isso não vem ao causo agora. O que realmente aconteceu quando ele ainda tinha doze anos de idades. Como já foi dito estudava na cidade e era usuário da jardineira, tanto na ida, na parte da manhã, quanto na volta na, parte da tarde. Nessa época, chovia muito por aquelas bandas, às vezes a jardineira ficava até um mês sem transitar, dado ao estado precário que ficava a estrada, então, o estudante não tinha outra opção, senão fazer o percurso de ida e o de volta a pé, com as pernas atoladas na lama. Numa dessas caminhadas solitárias, em uma manhã chuvosa, o estudante ia pela estrada afora... Quando já havia percorrido um terço do percurso, por um caminho estreito que dava acesso a estrada principal vinha uma procissão um tanto estranha e macabra. Dezenas de homens conduziam de mão em mão um caixão de defunto, todo esborrifado de lama e os condutores vinham molhados das cabeças aos pés. Naquele momento sinistro aflorou-lhe na memória um trauma antigo... Lembrou-se das noites angustiantes em que passava sem dormir, nos primeiros dias após a morte de parentes ou pessoas conhecidas... Era como se o defunto estivesse presente dentro do quarto. Tamanho era o trauma que só se sentia aliviado quando passava o resto da noite no quarto dos pais. Quando a crise dava sinais de que já estava sendo superada... Pronto, lá vinha uma outra notícia de morte e os pesadelos voltaram tona, com forças redobradas. No primeiro momento em que se deparou com aquela procissão indesejável, quase teve uma vertigem, as pernas ficaram bambas, o coração disparou, ficou plantado no meio da estrada como se fosse uma estátua. A chuva aumentava de intensidade, pelas laterais da estrada a enxurrada formavam dois pequenos riachos, que com suas águas barrentas e cantantes avolumavam-se ainda mais na medida em que se aproximavam do ribeirão... A procissão macabra vinha ao seu encontro, não tinha como evitar... Quando se deu por conta já era mais um a caminhar ao lado do defunto. Dava-se para perceber que a carga estava pesada, tanto pelo semblante dos que carregavam o caixão como pelos gritos de socorro: _ Vamos gente! ... Podem botar a mão no caixão que o defunto tá pesado, mas não morde! ... _ Ô, Clodoaldo. Pinga pra turma! ... Tamo molhado da cabeça aos pés, mas a goela tá seca! ... _ Gritava um dos sedentos, viciado na maldita cachaça. O falecido era um senhor na casa dos sessentas anos de idade, empregado de um dos sitiantes da região. Gozava até então de muita saúde, nunca antes havia ido ao médico, de mal súbito veio a falecer sem perder um só quilo de sua farta banha. O estudante estradeiro, já se sentia à vontade. Perdera o medo de defunto. Aquela caminhada deixou-lhe de ser sinistra para ser cômica. _ Não sei o que deu na cabeça do seu Clodoaldo achar de morrer, logo num dia chuvosos como este... Tá um tempo bom para plantar repolho e não para enterrar defunto. _ Falou um dos homens, já cambaleando de tão embriagado que estava. _ Vamos, pessoal. Só já faltam cinco subidas para despacharmos à mercadoria no cemitério. _ Gritou alguém lá do meio do cortejo. _ Vem pra frente, gente. Que o defunto tá pesado e tem que ser carregado. _ Respondeu um dos que estava com a mão na alça do caixão. Até que enfim o cortejo chegou à cidade. Todos molhados e cobertos de lama seguiram pelas ruas principais até o Cemitério Municipal. O estudante, logo na entrada da cidade tomou um outro rumo para mais uma semana de estudos.
Arquivo do blog
-
▼
2018
(47)
-
▼
julho
(47)
-
▼
jul. 25
(34)
- O POÇO MAL ASSOMBRADO
- UM LOBISOMEM ATRÁS DA MOITA
- O FATASMA NA SALA
- A LENDA DA GALINHA CHOCA
- A VELHA CIGANA E A BELA MOÇA
- UMA NOITE DE TERROR
- NOITES TENEBROSAS
- A LENDA DA MOÇA LOIRA
- UM VULTO MUITO ESTRANHO
- CERTOS MISTÉRIOS NO CEMITÉRIO
- A LUZ DO MORRO
- OS FANTASMAS DO RIBEIRÃO
- O CHORO DA SOGRA MORTA
- UM ESTRANHO NO VELÓRIO
- OS FANTASMAS DA PEDREIRA
- ALENDA DA MULHER ESFAQUEDA
- A ESTRADA MAL ASSOMBRADA
- COBRA FERIDA PERIGO DOBRADO
- MEIA NOITE NO CEMITÉRIO
- A TAL DA MULA SEM CABEÇA
- UM CAUSO DE BALCONISTA
- A ÁRVORE MAL ASSOMBRADA
- A LENDA DO SAPOCÓ
- A LENDA DAS MULHERES FOFOQUEIRAS
- A FOSSA MAL ASSOMBRADA
- A LENDA DO PADEIRO FANTASMA
- O FATASMO DO CHAPEU
- O TOCO MAL ASSOMBRADO
- OS FANTASMAS DA MEXERIQUEIRA
- FOLHAS RELUZENTES
- O CAVALEIRO MISTERIOSO
- A LENDA DO CAIXÃO DE DEFUNTO
- CAMINHANDO AO LADO DO DEFUNTO
- A LENDA DA FIGUEIRA MAL ASSOMBRADA
-
▼
jul. 25
(34)
-
▼
julho
(47)
quarta-feira, 25 de julho de 2018
CAMINHANDO AO LADO DO DEFUNTO
Logo nos primeiros anos, quando o café principiava a fazer a riqueza de muita gente. Em que a jardineira do tio Felizardo andava lotada, morro abaixo, morro acima. Em que os porcos, as galinhas e as mercadorias disputavam o acanhado espaço do veículo com os passageiros... Pois é, nesse tempo das vacas já quase gordas, um sitiante resolveu estudar o filho na cidade. O moleque foi desses que deu certo na vida. Alguns anos depois, virou gente importante na região onde sempre morou. Mas isso não vem ao causo agora. O que realmente aconteceu quando ele ainda tinha doze anos de idades. Como já foi dito estudava na cidade e era usuário da jardineira, tanto na ida, na parte da manhã, quanto na volta na, parte da tarde. Nessa época, chovia muito por aquelas bandas, às vezes a jardineira ficava até um mês sem transitar, dado ao estado precário que ficava a estrada, então, o estudante não tinha outra opção, senão fazer o percurso de ida e o de volta a pé, com as pernas atoladas na lama. Numa dessas caminhadas solitárias, em uma manhã chuvosa, o estudante ia pela estrada afora... Quando já havia percorrido um terço do percurso, por um caminho estreito que dava acesso a estrada principal vinha uma procissão um tanto estranha e macabra. Dezenas de homens conduziam de mão em mão um caixão de defunto, todo esborrifado de lama e os condutores vinham molhados das cabeças aos pés. Naquele momento sinistro aflorou-lhe na memória um trauma antigo... Lembrou-se das noites angustiantes em que passava sem dormir, nos primeiros dias após a morte de parentes ou pessoas conhecidas... Era como se o defunto estivesse presente dentro do quarto. Tamanho era o trauma que só se sentia aliviado quando passava o resto da noite no quarto dos pais. Quando a crise dava sinais de que já estava sendo superada... Pronto, lá vinha uma outra notícia de morte e os pesadelos voltaram tona, com forças redobradas. No primeiro momento em que se deparou com aquela procissão indesejável, quase teve uma vertigem, as pernas ficaram bambas, o coração disparou, ficou plantado no meio da estrada como se fosse uma estátua. A chuva aumentava de intensidade, pelas laterais da estrada a enxurrada formavam dois pequenos riachos, que com suas águas barrentas e cantantes avolumavam-se ainda mais na medida em que se aproximavam do ribeirão... A procissão macabra vinha ao seu encontro, não tinha como evitar... Quando se deu por conta já era mais um a caminhar ao lado do defunto. Dava-se para perceber que a carga estava pesada, tanto pelo semblante dos que carregavam o caixão como pelos gritos de socorro: _ Vamos gente! ... Podem botar a mão no caixão que o defunto tá pesado, mas não morde! ... _ Ô, Clodoaldo. Pinga pra turma! ... Tamo molhado da cabeça aos pés, mas a goela tá seca! ... _ Gritava um dos sedentos, viciado na maldita cachaça. O falecido era um senhor na casa dos sessentas anos de idade, empregado de um dos sitiantes da região. Gozava até então de muita saúde, nunca antes havia ido ao médico, de mal súbito veio a falecer sem perder um só quilo de sua farta banha. O estudante estradeiro, já se sentia à vontade. Perdera o medo de defunto. Aquela caminhada deixou-lhe de ser sinistra para ser cômica. _ Não sei o que deu na cabeça do seu Clodoaldo achar de morrer, logo num dia chuvosos como este... Tá um tempo bom para plantar repolho e não para enterrar defunto. _ Falou um dos homens, já cambaleando de tão embriagado que estava. _ Vamos, pessoal. Só já faltam cinco subidas para despacharmos à mercadoria no cemitério. _ Gritou alguém lá do meio do cortejo. _ Vem pra frente, gente. Que o defunto tá pesado e tem que ser carregado. _ Respondeu um dos que estava com a mão na alça do caixão. Até que enfim o cortejo chegou à cidade. Todos molhados e cobertos de lama seguiram pelas ruas principais até o Cemitério Municipal. O estudante, logo na entrada da cidade tomou um outro rumo para mais uma semana de estudos.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário